terça-feira, 25 de novembro de 2008

Tenho a graciosidade rubra das papoilas quando és tu no meu caminho.
Tu, como vento a agitar, pétala a pétala, os meus dias.
Tenho a rubra graciosidade das papoilas a cada instante de ti
Na minha vida.
Tu, pedaço de chão que me seguras como destino,
Eu aninho-me em ti.
Tu, brisa mais perfeita que me rasgas o sorriso
eu aninho-me em ti

Sem tu saberes.

Raquel

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Via-se agora a paisagem

Via-se agora a paisagem, nos intervalos de descanso da neblina.
Eram as árvores e os caminhos onde já não passa ninguém, que mais te encantavam. Vi os teus olhos, agarrados à vidraça do trem, construírem vidas, erigirem muros e tectos e caiarem paredes, debaixo do sol, sob a protecção de dúzias de chapéus de palha, gargalhadas e copos de tinto.
Construías histórias como se conhecesses por inteiro cada pedaço de chão. E, no entanto, aquela terra não era tua. Mas o comboio guiava-te, como se te emprestasse mais um pouco de sonhos, mais um pouco de vozes, mais um pouco de fé. E à medida que se arrastava nas linhas, o teu pensamento arrastava-se com ele – por entre as falhas da neblina.
Viste a velha sentada junto ao poço. E viste as laranjeiras em flor, e o cão e a casa pequena e triste, toda em pedra, e o baloiço em ruínas, isolado entre o extenso arvoredo, mais atrás. O comboio apitava na despedida, como se celebrasse toda aquela existência. E os teus pensamentos eram livros abertos na ânsia da leitura, depois deste olhar. Traçaste os contornos de uma vida que não era a tua, mas com a qual o teu caminho se cruzou, por um instante, à passagem do trem. E a velha era pobre e infeliz, e era mãe de filhos que existiam longe. Tão longe que a distância de uma viagem de comboio não podia quebrar. Talvez os filhos tivessem emigrado. Sim, talvez. Talvez tivessem emigrado. Sim, acho que vi os teus olhos construírem esta história.

Vi os teus olhos guardarem tudo – tanto: fragmentos de chão nos intervalos da neblina.
E vi os teus olhos levarem contigo laranjas maduras que o tempo deixou.
Raquel

quinta-feira, 13 de março de 2008

Lembras-te do teu nome?

Lembras-te do teu nome?
E das manhãs frias feitas de vento em que acordas tão só?
Eu não sei o teu caminho
Mas a tua vida tem cruzado estacas no meu a cada passo que dou,
A cada passo que dás.
E encontrar-te são nuvens de pó a desfazerem-se num grito
Como a noite.

Tão frias as manhãs do nosso encontro.
Feitas de flores orvalhadas pela voz de quem tu ouves.
E é tão grande o teu silêncio.
E é tão grande o teu olhar.
Perante a cruz.

Vens ainda contra o tempo.
Arrastas-te imponente sobre os dias
E trazes nas mãos os dedos que carregaste toda a vida.
Sabes tão bem o que suportam as mãos,
Que o esquecimento não apaga as lembranças
Dos teus dedos quando se dão.

Quantas mãos já foram tuas?

Num instante de lágrimas que não posso contar
Que não consigo contar,
As minhas mãos já foram tuas.
E nesse instante tu eras o silêncio de ternura num olhar.
Que eu jamais esquecerei.
Como o peso da lembrança desse dia, que carrego em mim como um caixão, e que não posso contar, que não consigo contar.

Trazias a aragem fria e húmida da madrugada nos cabelos
E o teu travessão de malmequeres de prata.
Vinhas, com o peso da velhice, ver a morte.
E encontraste-me a mim – vida e força a desfalecer na dor
no meu mundo todo a ruir em brasa,
Que o instante dos teus dedos nos meus segurou.

Na manhã mais triste de todas as manhãs do nosso encontro.
Eras tu, a meu lado, perante a cruz,
Eras tu, nome do meu nome,

Júlia.

Raquel

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Capitão

Está uma noite bonita demais para se morrer.

Raquel

domingo, 6 de janeiro de 2008

De que lado viste chegar
o outono? Por que janela
o deixaste entrar? És tu quem
canta em surdina, ou a luz
espessa das suas folhas?
Em que rio te despes para sonhar?
É comigo que voltas
a ter quinze anos e corres
contra o vento até te perderes
na curva da estrada?
A quem dás a mão e confias
um segredo? Diz-me,
diz-me, para que possa habitar
um a um os meus dias.

Eugénio de Andrade
Este Natal foi feito de palavras únicas.