domingo, 27 de maio de 2007

Por Dentro da Infixidez

Convence-me de que a minha força não morrerá contigo.
E repete-me vezes sem conta que ainda será possível mover as pálpebras depois de ti.
Diz-me – até a tua voz ser um eco – que as lágrimas hão-de cair como um corpo de pedra em desequilíbrio.
Jura-me que as lágrimas hão-de secar.
Jura-me com todo o artifício: que as lágrimas hão-de secar como tu.
Como tu – depois da vida.
Convence-me, confundindo-me de comparações vazias,
de que a minha força não morrerá contigo.

Até eu fazer de conta que acredito.
Até eu sufocar na aparência.

Raquel

segunda-feira, 21 de maio de 2007

As Estátuas Também Brilham

Sem haver tectos para me resguardar, chovia a cântaros na minha vida.

E eu estava sentada – à hora marcada.

O meu cabelo era o brilho da chuva depois do sol, antes das nuvens.

E os movimentos do meu corpo eram estátuas em sonhos ardentes.

Sem haver tectos para me resguardar, chovia sobre mim.

E eu estava sozinha – debaixo do céu.

Os meus lábios eram rosas pétala a pétala desfolhadas, levadas pela chuva como um rio.

E os movimentos do meu corpo eram estátuas em êxtase.

Sem haver tectos para me resguardar, chovia a cântaros na minha vida.

Mas só até tu chegares.

Só até tu chegares de ramo de girassóis na mão.

De ramo de girassóis na mão – para me dar.

Eu estava sentada, sozinha, à hora marcada – debaixo do céu.

E fez-se sol em mim.




Ele contou, depois, que ela só tinha começado a falar por causa da lembrança dos pássaros. Ele contou que o sorriso dela se tinha inclinado todo para a direita – tortuoso, sinuoso – enquanto caminhavam lado a lado. Ele contou que a chuva era ouro vindo do céu.
Raquel

domingo, 13 de maio de 2007

Sem Título

«Arrefeceste tanto em tão pouco tempo do tempo que a vida te deu.
E podias ter dito que as nuvens são instantes suspensos no céu, até eu te entender. Podias ter falado da efemeridade. Tê-la aplicado por analogia, talvez. Podias ter escrito sobre isso. Tu sabes que eu devoraria cada palavra tua. Tu sabes isso tão bem, porque é que não escreveste? Podias ter explicado a brisa ao pormenor. A sua trajectória exacta. Brisa: o teu nome sussurrado. Podias ter explicado o teu caminho, até eu te entender.

Eu tinha o mundo para te dizer, Raquel.
Porque é que não falaste comigo?

Arrefeceste tanto em tão pouco tempo do tempo que a vida te deu.
E podias ter dito que as ondas se desfazem na areia, até eu te entender.
Podias ter aberto a porta. Ter-me-ia bastado olhar-te para diagnosticar toda a dor que percorre o teu corpo. Porque é que fugiste? Podias ter sorrido. Tu sabes que eu conheço todos os teus sorrisos de cor. Tu sabes isso tão bem. Porque é que não sorriste, Raquel, até eu entender o significado mais profundo dos teus lábios?

Eu tinha o mundo para te dizer - e uma aliança no bolso.
E o mais efémero instante - desse tempo - tão pouco - que a vida te deu
bastaria.

Eu tinha o mundo para te dizer, Raquel – e palavras ensaiadas na língua.
E o mais efémero instante – desse tempo – tão pouco – que a vida te deu
bastaria.»





Há um precipício na noite.
E abutres.
Abutres à espera de coragem.
Ou desespero.
Abutres à espera de um estímulo.
Um passo.
Há um precipício. Aqui. À minha frente.
Lançar-me
Seria a única forma de entenderes o significado do que não disse.

Porque é que não entendeste tudo aquilo que ficou por dizer?
Eu podia desconstruir o teu amor aqui – agora.
E arrefecer-te.
E quebrar-te.
E desconstruir-te.
Porque há um precipício na noite.
E abutres.
E tanto, em tão pouco, por dizer.
Raquel

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Hoje, as minhas palavras não são suficientes. Hoje, mais que nunca, as minhas palavras não são suficientes - para dizer.


«A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo.»

Al Berto
O Medo