O cenário era cinzento: havia pombos.
Havia nuvens.
Havia vento a entrar pelas frestas da porta de madeira: frio. Como facas espetadas na porta de madeira: o frio. Pedaços de vento levantavam, lá dentro, o pó e a palha no ar até caírem cansados, confusos. A chama das velas gastas, quase sem pavio, ameaçava apagar. Tremia, soluçava, hesitava. Nas paredes o suor, como cera, deslizava lentamente até secar. Nas paredes as aranhas. As paredes: teias de cera de suor de aranhas. No chão um cobertor e sacas de milho. Sacas de trigo. Sacas de farinha. Sacas de pão. E rosas.
Espalhados pelo chão: restos. Um par de botas – camurça. Um par de sapatos pretos de salto: verniz. Meias pretas de vidro entre o pó. O casaco branco. A saia preta. A blusa branca. Grãos de milho. Calças de ganga. A camisa às riscas. A camisola de lã. Pombos. O soutien. Rosas vermelhas.
As tuas,
as minhas
cuecas no chão entre a palha. Entre o pó.
E o vento gemia – lá fora, cá dentro.
Havia frio a entrar pelas frestas da porta de madeira: vento. Havia duas garrafas de vinho: tinto. E uma navalha.
Peguei numa garrafa enquanto te desfazias de álcool e de prazer. Enquanto vibravas, vermelho, inchado. Enquanto te desfazias como as velas, quase sem pavio. Sémen. Peguei numa garrafa enquanto não paravas extasiado. Não paravas extasiado e eu peguei numa garrafa. E o vento gemia cá dentro. Mas só até tu caíres de mim, no chão, erecto – como o pó e a palha depois do vento.
Olhei para ti.
Inerte no chão podre do moinho - peguei na tua mão.
Depois peguei na navalha.
Cortei-te um dedo – que lancei aos pombos. E cortei-te outro, e mais outro. Golpeei-te na barriga. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onde, doze vezes. E agora? Continuas extasiado?
Espalhados pelo chão: restos. Camurça, verniz, sangue. Vidros.
Havia milho, trigo, farinha. Havia pão e dedos. Havia rosas vermelhas secas – mutiladas.
Ao lado do moinho, com a enxada, cavei um buraco na terra. Fundo.
Havia nuvens.
Havia vento a entrar pelas frestas da porta de madeira: frio. Como facas espetadas na porta de madeira: o frio. Pedaços de vento levantavam, lá dentro, o pó e a palha no ar até caírem cansados, confusos. A chama das velas gastas, quase sem pavio, ameaçava apagar. Tremia, soluçava, hesitava. Nas paredes o suor, como cera, deslizava lentamente até secar. Nas paredes as aranhas. As paredes: teias de cera de suor de aranhas. No chão um cobertor e sacas de milho. Sacas de trigo. Sacas de farinha. Sacas de pão. E rosas.
Espalhados pelo chão: restos. Um par de botas – camurça. Um par de sapatos pretos de salto: verniz. Meias pretas de vidro entre o pó. O casaco branco. A saia preta. A blusa branca. Grãos de milho. Calças de ganga. A camisa às riscas. A camisola de lã. Pombos. O soutien. Rosas vermelhas.
As tuas,
as minhas
cuecas no chão entre a palha. Entre o pó.
E o vento gemia – lá fora, cá dentro.
Havia frio a entrar pelas frestas da porta de madeira: vento. Havia duas garrafas de vinho: tinto. E uma navalha.
Peguei numa garrafa enquanto te desfazias de álcool e de prazer. Enquanto vibravas, vermelho, inchado. Enquanto te desfazias como as velas, quase sem pavio. Sémen. Peguei numa garrafa enquanto não paravas extasiado. Não paravas extasiado e eu peguei numa garrafa. E o vento gemia cá dentro. Mas só até tu caíres de mim, no chão, erecto – como o pó e a palha depois do vento.
Olhei para ti.
Inerte no chão podre do moinho - peguei na tua mão.
Depois peguei na navalha.
Cortei-te um dedo – que lancei aos pombos. E cortei-te outro, e mais outro. Golpeei-te na barriga. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onde, doze vezes. E agora? Continuas extasiado?
Espalhados pelo chão: restos. Camurça, verniz, sangue. Vidros.
Havia milho, trigo, farinha. Havia pão e dedos. Havia rosas vermelhas secas – mutiladas.
Ao lado do moinho, com a enxada, cavei um buraco na terra. Fundo.
Fui buscar as rosas. Nua.
Uma a uma lancei-as para o buraco e com a enxada enterrei-as – com carinho. Muito carinho. Por cima espalhei grãos de milho. O cenário era cinzento: havia pombos.
Uma a uma lancei-as para o buraco e com a enxada enterrei-as – com carinho. Muito carinho. Por cima espalhei grãos de milho. O cenário era cinzento: havia pombos.
Vesti-me calmamente. Tirei os poucos e reles tostões que tinhas no bolso. Apaguei as velas. Fechei a porta do moinho.
Havia nuvens e escurecia.
Havia nuvens e escurecia.
As minhas mãos eram espinhos. Tu eras carne coberta de espinhos.
Fiz-me à estrada e pedi boleia.
- Pena que as rosas morram.
- Pena que as rosas morram.
Raquel